Na Argentina, desde a coordenação do Laboratório Subterrâneo ANDES, em conjunto com o Laboratório de Detecção de Radiação e Partículas do Centro Atômico Bariloche e Instituto Internacional de Estudios Avanzados (ICAS, ICIFI, UNSAM); no Brasil, desde o Instituto de Física da Universide Federal do Rio de Janeiro e Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) temos o prazer de convida-lhes para as comemorações pelo Dia Internacional da Matéria Escura (31 de Outubro 2022).
Este evento internacional, reúne diferentes instituições envolvidas na área de Astrofísica e Física de Partículas para a realização de atividades com o objetivo de dar visibilidade à pesquisa científica sobre o assunto "Matéria Escura", bem como o aspecto humano dessa busca pelo conhecimento.
Nos anos anteriores, imaginamos partículas de matéria escura, as máquinas que podem detectá-las e as pessoas que as utilizam nas suas pesquisas. Neste ano quisermos saber como vocês se imaginavam o nosso trabalho diário nos nossos centros de pesquisa. Para ajudá-los nessa tarefa foram preparadas três histórias vinculadas com as pesquisas que realizamos, para que a partir da leitura delas podam se inspirar e escolher a história que mais gostaram. Mediante um desenho colectivo essa historia foi contada da forma em que ela foi imaginada.
Bem próximo à cordilheira dos Andes, entre montanhas e lagos, existe um sensor que busca "ver" a matéria escura. Este sensor faz parte de um experimento que consiste em tirar fotos "da nada mesmo", –dentro de uma caixa completamente escura fechada e a muito baixa temperatura–, com a câmera mais sensível conhecida até hoje: um sensor "Skipper-CCD". Desta forma, obtemos "fotos" vazias, totalmente pretas, só que às vezes...
Vemos alguns desenhos nessas "fotos": algumas linhas retas, algumas "minhocas" ou alguns pontos bem gordinhos; indícios de que alguma partícula elementar passou pela câmera. Mas,... e a matéria escura? Também deixará algumas marcas no nosso sensor? Não sabemos ainda, mas esperamos que deixem pontinhos, bem pequenos. Identificar e estudar esses pontinhos faz parte da tarefa de buscar pela possível presença da matéria escura.
Como vocês podem se imaginar, este experimento não funciona sozinho. É preciso de uma equipe inteira para desenvolvê-lo, testá-lo e interpretar seus resultados. Cientistas de Bariloche, Córdoba, Buenos Aires, Rio de Janeiro e até dos Estados Unidos trabalham em colaboração. É um experimento internacional!
Mas isso não acaba aqui, essa equipe científica tem um plano: uma vez que o funcionamento do sensor seja muito bem compreendido nos laboratórios de Bariloche, ele será instalado dentro de uma mina muito profunda (ou, em um túnel a 1750 metros de profundidade!) onde nada pode chegar nele, exceto as misteriosas partículas de matéria escura.
Trilhões de prótons atravessam a fronteira entre a Suíça e a França viajando dentro do acelerador de partículas LHC no laboratório europeu para física de partículas, o CERN. Organizados em pacotes e mantidos em uma trajetória circular de 27 km de circunferência, os prótons são acelerados até atingir velocidades próximas à velocidade da luz. Tudo isso ocorre a cem metros de profundidade, onde os feixes de prótons que estão em direções opostas colidem em quatro pontos da circunferência. Nesses pontos, experimentos foram instalados e projetados para detectar e medir propriedades das partículas subatômicas produzidas nessas colisões. Podemos dizer que os detectores tiram fotos das colisões coletando sinais eletrônicos da radiação produzida em cada uma delas. Essa grande instalação científica só é possível porque pesquisadores de diversos países se unem em torno de objetivos em comum.
Parte da equipe brasileira trabalha em um dos quatro grandes experimentos do LHC, o LHCb. Uma das nossas responsabilidades é desenvolver e manter em funcionamento a etapa do experimento que chamamos de análise em tempo real. Em média, trinta milhões de colisões ocorrem a cada segundo no experimento LHCb, porém, apenas uma pequena fração das fotos que tiramos podem ser salvas permanentemente. Portanto, uma análise em tempo real é necessária, sendo essa realizada por tecnologias de computação de alta performance, incluindo programas compatíveis com processadores multi-núcleos e placas gráficas.
Há diversos objetivos científicos e um deles é entender a natureza da matéria escura. Até o momento, não observamos nenhum fenômeno conectado com a existência de matéria escura no LHC. Por outro lado, diversas teorias preveem que, nas colisões do LHC, podemos medir propriedades da matéria escura. Nosso trabalho é ter certeza de que os eventos previstos por essas teorias não sejam descartados na análise em tempo real, por exemplo, desenvolvemos algoritmos para selecionar dois fótons que podem ser produto da desintegração de uma partícula chamada Áxion e que pode nos dar informações sobre a natureza da matéria escura. É incrível como a partir de um dos mais ordinários constituintes da matéria, o núcleo do átomo de Hidrogênio, talvez seja criado algo, até então, extraordinário como a matéria escura.
Se a matéria escura não emite luz, como pretendemos estudá-la com telescópios? Pois é assim que ela foi descoberta! Na verdade, nós não enxergamos a matéria escura, mas podemos perceber o seu efeito no movimento dos astros. Vamos imaginar uma galáxia espiral, dessas que parecem um redemoinho de estrelas. Temos a impressão de que elas estão girando e estão mesmo! Podemos usar o movimento de rotação das estrelas nas galáxias para medirmos a massa desses objetos. Da mesma forma como o Sol atrai os planetas, a massa da própria galáxia atrai suas estrelas. Sabendo a velocidade dos planetas, podemos saber a massa do Sol. Podemos fazer a mesma coisa estudando o movimento das estrelas nas galáxias.
A astrônoma Vera Rubin, juntamente com outros pesquisadores, fez esse tipo de estudo na década de 1970. Eles notaram que era preciso muito mais matéria para explicar a rotação desses objetos do que toda a matéria que podemos observar na forma de gás, estrelas, planetas, etc. Se as galáxias fossem feitas só desse tipo de matéria conhecida, sua velocidade seria rápida demais para a atração gravitacional segurar o movimento e o seu conteúdo se espalharia pelo Universo. Para explicar a rotação das galáxias é preciso que haja muito mais matéria produzindo a atração gravitacional do que aquela que é observada. Essa matéria adicional é a matéria escura.
Hoje em dia, percebemos a ação da matéria escura pelo movimentos que a sua atração gravitacional causa em muitas regiões do espaço. Vemos esses efeitos dentro da nossa própria galáxia e até nas maiores estruturas que conseguimos estudar no Universo. Mas isso não é só. A matéria também afeta o movimento da luz, que faz um caminho curvo por causa da gravidade! O desvio da luz devido a objetos maçudos faz com que eles possam se comportar como lentes que distorcem os astros. Uma galáxia bem distante, cuja luz passa perto de uma galáxia mais próxima pode ser tão deformada que vai parecer um arco ou um anel. Esse efeito é chamado de lente gravitacional e nos permite pesar os objetos que deformam a trajetória da luz. A conclusão é a mesma que tiramos quando estudamos os movimentos no Universo: existe muito mais matéria do que a que conhecemos.
Em resumo, pelos efeitos da gravidade, sabemos que a matéria escura está presente. Mas quais são suas características? Como ela se comporta? De que ela é feita? Para responder a essas e outras perguntas mais estudos astronômicos estão sendo feitos. Um dos maiores projetos astronômicos do mundo tem seu nome homenageando uma dos descobridoras da matéria escura: o Observatório Vera Rubin, uma colaboração internacional liderada pelos Estados Unidos e do qual participam Argentina, Brasil, Chile e países em todo o mundo. Esse telescópio enorme vai receber a maior câmera do mundo, para produzir imagens muito nítidas de grandes áreas do céu ao longo de dez anos. O que será que poderemos aprender sobre a matéria escura com esse telescópio?